Em 28/02/2020 a Comissão de Doenças Endêmicas e Infecciosas da Sociedade Brasileira de Reumatologia emitiu uma Nota Técnica para auxiliar médicos no tratamento desta doença em pacientes com doenças reumática. A Comissão recomenda aos pacientes, que busquem informações com os médicos e profissionais de saúde que acompanham seu caso. Leia a seguir a nota na sua integra:
Cientes da preocupação de pacientes e classe médica que estão recebendo consultas em relação ao novo coronavírus (2019 n-CoV), sobre o risco para a saúde de seus pacientes, e, diante da necessidade de orientações para o enfrentamento deste momento epidemiológico em particular, a Comissão de Doenças Endêmicas e Infecciosas da Sociedade Brasileira de Reumatologia posiciona-se e referencia algumas recomendações para os reumatologistas, além de orientações considerando às particularidades relacionadas ao tratamento dos nossos pacientes.
Aos pacientes, nossa recomendação é que busquem informações com os médicos e profissionais de saúde que acompanham seu caso.
Infecções por patógenos emergentes e reemergentes, como as que estamos vivenciando com o novo Coronavírus (2019-nCoV), são um grande desafio de saúde publica, e costumam ocorrer de forma cíclica, com intervalos de anos. Os coronavírus são vírus RNA envelopados, distribuídos amplamente entre humanos, outros mamíferos e pássaros, e que causam sintomas respiratórios, gastrointestinais e neurológicos. Seis espécies de coronavirus são conhecidos como causadores de doença em humanos. Quatro deles - 229E, OC43, NL63,e HKU1 — causam sintomas de uma gripe comum em indivíduos imunocompetentes. As duas outras cepas – Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus (SARS-CoV) e Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-CoV) — são de origem zoonótica e foram relacionadas à doença fatal em alguns casos.
O SARS-CoV foi o agente causador de uma epidemia de síndrome respiratória aguda grave em 2002 e 2003, na Província de Guangdong, China. O MERS-CoV foi o patógeno responsável pela epidemia de doença respiratória aguda grave em 2012, no Oriente Médio. Tendo em vista a alta prevalência, ampla distribuição, grande diversidade genética e frequente recombinação em seus genomas, novos coronavírus podem emergir periodicamente em humanos, levando a novas epidemias.
Os sintomas relatados, associados à infecção pelo 2019-nCoV, são na sua maioria os mesmos de uma gripe comum, porém, pode levar a um quadro agudo de doença respiratória grave, com consequente insuficiência respiratória, podendo evoluir para o óbito, de forma semelhante ao que foi descrito nas duas epidemias anteriores, ocorrendo com maior frequência em homens, acima de 70 anos, em indivíduos imunocompetentes.
Entretanto, existe a necessidade de ressaltar algumas peculiaridades a respeito da infecção pelo novo coronavirus na população de pacientes reumatológicos, que pode apresentar susceptibilidade aumentada de adquirir a infecção a depender do grau de imunossupressão, variando de acordo com à própria doença de base e/ou conferida pelo tratamento medicamentoso.
Orientações uso de corticosteroides, imunossupressores e imunobiológicos diante da possível epidemia do novo coronavírus (2019-nCoV)
Não existem, até o momento, estudos publicados sobre a infecção pelo 2019-nCoV em pacientes em uso de corticosteroides, imunossupressores ou imunobiológicos. No entanto, esse grupo de pacientes pode apresentar um quadro clínico mais grave, assim como ocorre em qualquer outro quadro i infeccioso.
Pacientes em uso crônico de corticosteroides sistêmicos são os que apresentam maior risco de infecção, principalmente em doses acima de 20 mg/dia. Além disso, o uso de altas doses de hidrocortisona durante a fase aguda da SARS de etiologia viral, na epidemia de 2003, foi associado a uma maior carga viral de SARS-CoV plasmática, com atraso do clearence viral, risco de outras infecções associadas e aumento da mortalidade. Um outro estudo, na epidemia MERS-CoV demonstrou que o uso de corticosteroide foi associado com maior mortalidade, com um odds ratio de 4,95.
Também deve ser levado em consideração como sendo de potencial risco aumentado os pacientes em uso de metotrexate, leflunomida, ciclofosfamida e outros imunossupressores, além dos novos medicamentos alvo específico (anti-JAK) que podem também induzir resposta viral prejudicada, além dos imunobiológicos em geral. Apesar do reconhecido aumento do risco de infecção de uma maneira geral com o uso dos imunobiológicos, alguns estudos sugerem que o uso de inibidores de TNF (anti-TNF) poderiam ser uma possibilidade terapêutica em pacientes com SARS, tendo em vista que nestes casos ocorre a liberação de uma grande quantidade de TNF a partir de macrófagos alveolares. O uso do anti-TNF levaria a uma inibição da ativação imune mediada por anti-TNF, com consequente redução da lesão pulmonar nesses pacientes. Os estudos sobre esse tema apresentam resultados discordantes, ainda não havendo um consenso sobre o uso ou não destes medicamentos na prática clínica.
Antimaláricos (Fosfato de cloroquina e Hidroxicloroquina) no contexto da infecção pelo coronavírus Considerando-se estudos prévios que demonstraram atividade inflamatória e anti-viral do fosfato de cloroquina, diversos ensaios clínicos multicêntricos estão sendo conduzidos na China com o objetivo de avaliar a eficácia e segurança da cloroquina ou hidroxicloroquina em relação a pneumonia associada ao COVID-19 [1].
Estudo “in vitro” mostrou adequado desempenho do fosfato de cloroquina na inibição da infecção pelo COVID-19 [2]. O mecanismo antiviral está relacionado com o aumento do pH requerido para a fusão viral e interfere com a glicosilação dos receptores celulares do vírus [3]. No estudo chinês com mais de 100 pacientes, os resultados preliminares mostraram que o fosfato de cloroquina é superior ao tratamento controle na inibição da exacerbação da pneumonia, na melhora das alterações das imagens, ao promover a negativação do vírus e na capacidade de reduzir a duração da doença [4]. Portanto, até o momento, o fosfato de cloroquina tem mostrado eficácia e segurança em relação a pneumonia associada ao COVID-D19. As análises posteriores dos dados dos ensaios clínicos provavelmente irão definir os subgrupos que irão se beneficiar com o tratamento com cloroquina. Um grupo de médicos coreanos especialistas que tratam os pacientes confirmados em todo o país organizaram um “task force” (grupo de colaboração multicêntrico do departamento de saúde de Guangdong-korea) para estabelecer um consenso sobre a indicação de tratamento com antivirais e antimaláricos, onde as principais diretrizes são seguintes (5):
Se os pacientes são jovens, saudáveis e apresentam sintomas leves, sem condições subjacentes, os médicos podem observá-los sem tratamento antiviral. No entanto, se os pacientes são idosos ou têm condições subjacentes com sintomas graves, deve-se considerar um tratamento antiviral e este deve iniciar a o mais rápido possível.
Para o tratamento antiviral, os médicos recomendaram lopinavir 400 mg / ritonavir 100 mg ou cloroquina 500 mg VO/dia. Como a cloroquina não está disponível na Coréia, os médicos podem considerar a hidroxicloroquina 400 mg VO/dia. Não há evidências de que o uso de lopinavir / ritonavir com cloroquina seja mais eficaz que as monoterapias e podem cursar com efeitos colaterais indesejáveis.
Vale ressaltar, que estamos trazendo aqui para conhecimento de todos, os esforços que têm sido desenvolvidos na tentativa de conter a disseminação e evitar complicações da infecção, relatados e publicados pelos profissionais que estão lidando diretamente com a situação, porem, entendemos que que ainda necessitam de maiores investigações e constante atualização sobre assunto, não sendo esta uma recomendação da SBR e a indicação destes tratamentos ficam sob responsabilidade do medico generalista ou infectologista que, por ventura, estiver atendendo um caso confirmado.
Pacientes reumáticos com suspeita de infecção pelo COVID-19
Levando-se em consideração que pacientes com doença reumatológica em uso de medicamentos que modificam a resposta imune, como corticosteroides, DMARD sintéticos, alvos específicos e biológicos, estão mais susceptíveis à infecção e a desenvolver quadros com maior gravidade do que uma pessoa imunocompetente, até que novas evidências estejam disponíveis, recomenda-se seguir as orientações gerais (desde a definição de caso, diagnóstico e manejo do quadro agudo e suas complicações) já emitidas pelos órgãos oficiais listadas abaixo, resumidamente:
• Encaminhar imediatamente qualquer suspeita clínica (quadro gripal + viagem pessoal ou contato com pessoa que veio de país onde existe epidemia confirmada) para avaliação clínica e exames complementares (laboratório e tomografia de tórax) – definição do caso
• Avaliar individualmente, caso a caso, sobre a necessidade de interromper o uso dos medicamentos imunossupressores ou imunobiológicos diante a suspeita de infecção pelo 2019-nCov, considerando segundo grau de imunossupressão conferido e atividade da doença
• Se em uso de corticosteroide cronicamente, manter na menor dose possível
• Evitar viagens para os locais onde existem epidemias confirmadas- consulte seu médico • Utilizar as recomendações para evitar a contaminação – lavar sempre as mãos, evitar colocar a mão no próprio rosto ou das pessoas, etc
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